AI

AI
AI

Sunday, December 30, 2007

O problema mente/cérebro

O problema mente/cérebro ou dualismo mente/cérebro surge com René Descartes (1596-1650). Mais do que um problema sobre a existência ou não da ‘alma’ ou de outra qualquer propriedade incorpórea que nos torna, enquanto espécie, ‘especiais’, o problema mente/cérebro diz respeito à conceptualização de matéria e não matéria, do físico e do metafísico (ou não-físico), do objecto e do sujeito.

“Even so, it is in the writings of Descartes that we find the full-blown paradox of the mind-body dichotomy. His method of radical doubt led to a single certainty: 'I think, therefore I am' — a theory of knowledge based on subjectivity linked to a theory of ultimate reality based on 'thinking substances' as one class of existence. Mind was being put forward as a self-contained sphere of enquiry.” (Robert M. Young, 1990)

É realmente a partir de Descartes que realmente se diferenciam as várias escolas do pensamento sobre esta problemática que levam, inevitavelmente, a questões de ordem maior e que ainda hoje em dia são as bases da ciência e do pensamento moderno.

Pode-se pensar neste problema de dois grandes pontos de vista ou correntes, uma ontológica, em que a problemática se centra na dicotomia mente-cérebro, e outra epistemológica, onde o dualismo é o sujeito vs. o objecto.

Por um lado, o cérebro, enquanto órgão, enquanto objecto observável, faz parte do mundo físico, está localizado num sítio específico (o crânio), é responsável pelo comportamento, é o ‘centro de controle’ do SNC e possui uma miríade de outras propriedades e características que remetem para ‘coisas’ observáveis. Por outro lado temos a mente. A mente não é uma ‘coisa’ ou um objecto observável. Ela é um objecto deduzível, faz portanto parte de uma não-matéria do não-físico ou metafísico. Nas suas definições, começam a aparecer uma infinidade de conceitos de ‘coisas’ que não podem ser observadas directamente, ‘coisas’ como a informação, o significado, a cognição, a percepção, a memória, a atenção, a intencionalidade, a consciência, a imaginação, os sentimentos, as emoções, a alma, etc..

O grande problema dos postulados dualistas é a falta de uma explicação de como um não-objecto pode interagir com um objecto.

Uma afirmação, na sua maioria consensual, é o facto de termos um órgão chamado cérebro (que tem varias funções), estando a mente intrinsecamente ligada a este (visto que sem cérebro não somos capazes de identificar ‘mente’). Sem querer entrar numa discussão ontológico-linguística sobre o significado de cérebro ou a semântica das palavras, uma coisa que acho importante sublinhar, são as implicações desta primeira afirmação. Ao falarmos, identificarmos ou nomearmos um objecto estamos a assumir uma perspectiva materialista. Estamos a dizer o que uma coisa é. Todos os constructos idealistas partem da negação do ser, da negação da matéria e da negação do que é quantificável e observável. Neste sentido, a discussão da existência da matéria não é realmente uma discussão.

Esta perspectiva tem duas implicações, a primeira é a impossibilidade de um ‘objecto’ ser e não ser ao mesmo tempo segundo o princípio do terceiro excluído (tertium non datur). A segunda é que os ‘objectos’ metafísicos (ideias), que segundo as perspectivas dualistas são de outra ordem (substancias imateriais), e segundo o idealismo chegariam a ser a realidade em si (nós incluídos), teriam assim, também eles, propriedades físicas.

Mas aqui já estarei a assumir posições, voltando atrás: como pode uma ‘não-coisa’ interagir com uma ‘coisa’?

As estratégias para resolver este dualismo assumem fundamentalmente três dimensões: dualismo, materialismo ou fisicalismo, e Idealismo ou Mentalismo.

O dualismo clássico, resolve o problema da comunicação entre matéria e não-matéria, fazendo aparecer Deus neste ponto. O próprio Descartes falava das propriedades ‘mágicas’ da glândula pineal, sem nunca, no entanto, explicar como esta passagem realmente funcionaria. Os Interaccionistas modernos (dualistas por definição) partem do pressuposto que os dois mundos (físico e mental) interagem mas não conseguem explicar este fenómeno em termos causais.

O paralelismo psicofísico, ou concomitância, tenta resolver o problema postulando que os processos, físicos e mentais acontecem em paralelo não havendo necessidade de interacção entre os dois.

Em oposição às doutrinas dualistas surgem as monistas das quais o materialismo faz parte, segundo as materialistas, o mental não tem autonomia ou eficácia causal, é apenas um efeito ou um epifenómeno dos processos físicos e fisiológicos. A maior crítica a esta perspectiva é a de que o conceito de matéria é demasiado reduzido para conseguir explicar o aparecimento da vida e da mente, por isso é também chamada, às vezes, reducionismo.

Existem algumas variantes do monismo materialista, uma delas é a Identity Theory segundo a qual os dois estados (mente e cérebro) estariam baseados numa Identidade empírica, os estados cerebrais. Outra abordagem que visa superar as dificuldades de perspectivas monistas e dualistas, mas que no entanto pode ser considerada uma perspectiva monista também, é o monismo neutro que considera mente e cérebro como dois aspectos ou atributos de uma realidade subjacente única que seria uma ‘substância’ nem mental nem física.

Por ultimo, uma abordagem que só considere o mundo mental ou das ideias também é conceptualizável, chama-se Idealismo ou Mentalismo. Não se encontram muitas teorias monistas mentalistas que não divaguem e se percam pelos meandros das relações causais de um mundo inobservável directamente. A teoria advoga que as ideias, ou o pensamento são, se não a totalidade da existência uma grande parte dela, a matéria à qual os materialistas chamam física (que é cada vez menos massa e cada vez mais ‘energia’ – existe aqui alguma desapropriação das novas teorias da mecânica quântica e da teoria das supercordas da física), não seria mais do que aglomerados de sensações. (Bundle Theory).

Como então podemos reconciliar o que nos parece instintivamente certo, i.e., que a matéria existe?

Uma teoria deriva das teorias de sistemas, e que deu origem à área de investigação em sistemas complexos, a emergência. Este postulado estuda as propriedades ‘emergentes das combinações de ‘objectos’, são propriedades que não pertencendo a nenhum dos componentes de um sistema, pertencem ao sistema como um todo.

Outra teoria que parece ter superado este problema é a Evolução. A característica que lhe permite superar a dicotomia mente/cérebro pode bem ser o Gradualismo, ao mesmo tempo que a procura da explicação do aparecimento de caracteres na filogenia de uma espécie (com os seus paralelos ontogenéticos ou não), desvia o foco da atenção sobre o funcionamento e a evolução de, seja a física como a metafísica ou ainda uma terceira, e ainda não conceptualizada, hipótese.

Neste sentido, as abordagens empíricas (fenomenológicas ou heterofenomenológicas? – Conciousness Explained, Dennett, D. 1991) ‘emergentes’ à problemática mente/cérebro que são na sua base epistemológicas, levam-nos a uma perspectiva ontológica (no seu sentido etimológico) do ser humano enquanto ‘ser’ (e objecto da) ‘ciência’, quando centradas na consciência. As questões da área da Inteligência Artificial e da Teoria da Computação, aliadas à teoria de sistemas complexos fornece-nos outras perguntas de base como por exemplo: Será possível que um sistema complexo (como o homem) seja capaz de estudar o homem? Pode o cérebro estudar o cérebro sem sair de si? E se sim como?

Referências
DENNETT, D. C. (1991) Consciousness Explained. The Penguin Press.
DENNETT, D. C. (1996) Tipos de Mentes. Rocco Temas e Debates – Actividades Editoriais Lda. Lisboa.
HOFSTADTER, D. R. (1987). Gödel, Escher, Bach. Na Eternal Golden Baird.
http://en.wikipedia.org/ (para definições de conceitos)
LLOYD, S. (2006?) Programming the Universe: A Quantum Computer Scientist Takes On the Cosmos. ED.
PENROSE, R. (1989) The Emperor's New Mind: Concerning Computers, Minds, and
the Laws of Physics, Oxford Univ. Press.
PINKER, S. (1997). How the Mind Works. Norton, Ed. USA.
SEARLE, J. (1981) Mind Design – Philosophy, psychology, artificial Intelligence. John Haugeland, Editor. MIT Press. Cambridge Massachussetts. London, England (pp.282-306)
TOOBY, J. and COSMIDES, L. (1996). The Cognitive Neuroscience. MIT Press.
Cambridge, Massachussetts. London, England (pp. 1185-1197)
VANDERWOLL, C. H. (2003) An odyssey through the brain, behaviour and the mind. Kluwer Academic Publishers. University of Western Ontario, London, Ontario,
Canada. (pp. 153-170)
YOUNG, R. M. (1990) The mind-brain problem.

http://human-nature.com/rmyoung/papers/pap102h.html

Monday, December 03, 2007

Psicologia Evolutiva II

1. Um dos postulados da Psicologia Evolutiva é que os mecanismos psicológicos evoluíram no ambiente ancestral adaptativo, podendo estes ser mal-adaptativos no presente. Exemplificando com um mecanismo psicológico particular, responde as seguintes perguntas:

1.1 Como testar se o mecanismo psicológico é ou não adaptativo no presente?

1.2 Como testar se o mecanismo psicológico era adaptativo no ambiente ancestral?

Segundo Buss (2004) [1] os mecanismos psicológicos que evoluíram têm as seguintes propriedades:

Þ Resolveram problemas de sobrevivência e / ou reprodução durante a história evolutiva do organismo

Þ São ‘desenhados’ para receber uma ‘fatia’ específica de informação

Þ 'dizem’ ao organismo o problema adaptativo particular que está a enfrentar

Þ Esta informação é transformada através de uma série de regras numa decisão (output)

Þ Esta decisão (output) pode causar uma actividade psicológica, um ‘input’ para outros mecanismos psicológicos ou manifestar comportamento

Þ Esta actividade (output de um mecanismo psicológico adaptativo) está orientada para a resolução de um problema adaptativo particular

Em sintonia com a resposta à 2ª pergunta (à qual respondi primeiro, e onde me alonguei um pouquino… sorry) vamos considerar o ciúme. Vou tentar não repetir as coisas que vou escrever / já escrevi a seguir, mas que ainda não foram lidas. (Esta parte desta resposta completa a primeira parte da resposta à pergunta 2.1)

Seguindo as propriedades do Buss (2004):

O ciúme resolve problemas de sobrevivência / reprodução: minimizando a possibilidade de quebra do contracto reprodutivo (quando resulta em comportamentos nesse sentido) ou simplesmente fornecendo informação que terá de ser pesada para a troca ou não de parceiro.

Recebe uma ‘fatia’ específica de informação: está directamente relacionado com comportamentos do parceiro e resulta em controlo e agressividade para o controlo. Característica típica do ciúme é ser cego, irracional, é uma convicção que predispõe a uma interpretação dos acontecimentos sob o prisma verde do ciúme.

Consciencializa ao organismo o problema que está a enfrentar: é relativo à quebra de contracto numa relação de cooperação.

A informação é transformada por uma série de regras: as regras inerentes a um contracto de cooperação reprodutiva, expectativas, custos e benefícios.

O output pode causar uma actividade psicológica ou comportamento: comportamnetos possessivos, obsessão, etc.

O output está orientado para a resolução de um problema particular: sucesso reprodutivo!

Portanto segundo Buss (2004) o ciúme seria uma característica psicológica evoluída, agora, como testa-la? E melhor ainda, como testar a sua capacidade adaptativa?

Diz-se uma característica adaptativa de uma característica que melhore o fitness reprodutivo de um organismo. Então o ciúme terá que melhorar o sucesso reprodutor tanto de homens como mulheres, seja directa ou indirectamente. Para isso teremos então de quantificar o ciúme de alguma maneira, relaciona-lo com o nº de descendentes, ou com a ‘cotação’ no ‘mercado’ da selecção de parceiros (facilidade em arranjar parceiros). Podíamos fazer isto tanto de uma forma pré como pós. Pré seria medir (subjectivamente ou não) o nível de ciúme de uma pessoa e quantificar o nº de parceiros. Pós seria escolher amostras de casais com descendência e sem, ao mesmo tempo que se relacionava o ciúme declarado e percepcionado pelo outro com o nº de descendentes.

Mais facilmente podia-se ver se o ciúme tem influência na selecção de parceiros ou não acrescentando uma categoria (apesar de esta ser muitas vezes percepcionada como negativa) aos estudos de mate selection já realizados.

Para testar se um mecanismo psicológico é adaptativo no presente podemos usar o modelo experimental ou a psicologia comparada. As evidências de outras espécies ajudam a postular e a refutar premissas, as descobertas arqueológicas ajudam a estruturar hipóteses e perguntas mais específicas e os modelos computacionais da mente podem esclarecer, sustentar e dirigir futuras ‘explorações’ da mente humana, passíveis de ser testadas e reproduzidas.

Por outro lado não existe uma forma de testar se um mecanismo psicológico era adaptativo no AAE. Não temos acesso nem ao próprio AAE nem aos Homens que o habitavam. O melhor que se pode fazer é deduzir que, se o mecanismo existe e é identificado hoje em dia pode ter existido e ter tido uma utilidade no AAE. Se o mecanismo for mal-adaptativo é mais provável que tenha servido para resolver um problema que já não exista e isso da-nos mais uma peça do puzzle de como era o AAE. Pode-se tentar extrapolar o AAE através de evidências arqueológicas, de comparações com sociedades de foragers que ainda hoje existam, mas não o podemos testar directamente.

2. Segundo a Psicologia Evolutiva, o ‘Ciúme’ é um estado de alerta promovido pela percepção de ameaça a uma relação que é valorizada; e existem razões evolutivas para prever que o mecanismo psicológico do Ciúme seja accionado por diferentes factores segundo o género: homens mais sensíveis a infidelidades sexuais e mulheres a infidelidades emocionais. Dentro do enquadramento da Psicologia Evolutiva:

1.1 Qual o fundamento evolutivo da diferenciação entre géneros em termos da sua sensibilidade?

1.2 Na aula tratamos de relações heterossexuais. Qual será a expectativa sobre factores que accionam este mecanismo nos homens e mulheres em casais homossexuais? Explique.

O fundamento evolutivo da diferente sensibilidade dos dois sexos no que respeita a escolha / manutenção de um parceiro / relação de cooperação significativa, tem provavelmente varias faces.

Partimos do pressuposto de que os homens e as mulheres contribuem de forma diferenciada para a sua reprodução, tanto a nível biológico como a nível de cuidados parentais, neste sentido, tanto homens como mulheres terão de ter desenvolvidos mecanismos que ajudem na identificação de características (físicas ou psicológicas…) que maximizem o seu próprio potencial reprodutivo, este fenómeno está patente em todos os estudos desenvolvidos sobre ‘mate selection’ onde verificamos a procura diferenciada entre homens e mulheres de características específicas que tendencialmente vão ser cada vez mais pronunciadas. No caso dos homens, o WHR (waist hip ratio, mais sobre isto no estudo da 3ª pergunta) que confere alguma garantia biológica, bem como a ‘fidelização’ do acto reprodutivo, que confere alguma garantia ao nível da paternidade. No caso das mulheres, alter idem, i.e., características físicas que veiculem informação de genes ‘fortes’, e por outro lado possibilidade de providenciar recursos (ao nível de um investimento continuado).

Faz sentido então, considerando estes pré-requisitos de ambas as partes, que a selecção de parceiros tenha, subjacente à sua escolha, um contrato latente de cooperação reprodutiva que implique de ambas as partes benefícios e custos. No caso dos homens o benefício garantido deverá coincidir com os critérios que mais contam para a selecção de parceiro (garantia de paternidade), no caso das mulheres o mesmo, ou seja, garantia de acesso a recursos (status, rendimento, atenção, cuidados parentais), os custos para ambos serão, o não investimento em outras mulheres (sexual ou de outra índole), para os homens, e o não envolvimento sexual com outros homens (de modo a garantir que a descendência criada tenha os genes do homem), no caso das mulheres.

Se juntarmos a este mecanismo a necessidade evolutiva, num contexto cooperativo, para a detecção de ‘batoteiros’ (cheater detection mechanisms – CDM), o aparecimento do Ciúme torna-se mais claro. CDM são mecanismos psicológicos evolutivos que tem como função a identificação de indivíduos que recebem os benefícios de uma relação cooperativa, sem nunca pagar os custos. O ciúme será assim diferenciado também, os homens tenderão a procurar garantir o próprio benefício, tendo uma sensibilidade especial às várias possibilidades de infidelidade sexual da parceira, e as mulheres terão ao mesmo tempo, maior sensibilidade para percas de investimento em prole de outra possível parceira.

No caso da homossexualidade, e partindo de um postulado ao nível da psicologia evolutiva onde se consideram mecanismos específicos para resolver problemas específicos, teríamos a tendência para responder que em casais de homens o ciúme é mais relacionado a infidelidades sexuais e que em casais de mulheres este estaria mais relacionado a infidelidades emocionais. No entanto existem várias questões:

Em primeiro lugar tendo desaparecido a função reprodutora o efeito destes mecanismos poderá ser diminuído ou até desaparecer pela possível activação de outros mecanismos, de outra índole e com outros objectivos, visto não ter uma função reprodutiva o cérebro terá de procurar outro modulo de processamento de informação que tenha outro objectivo qualquer, provavelmente um que venha imediatamente a seguir numa escala de prioridades evolutivas hierarquizada.

Em segundo lugar, pode-se postular que a existência deste mecanismo psicológico reprodutivo (que comporta os módulos descritos acima, bem como outros) precise de 2 papéis diferentes numa relação sexual. Por papeis entendemos a mímica de padrões de comportamento que ‘enganem’ o cérebro modulando as expectativas do parceiro.

A primeira questão remete para uma plasticidade e adaptatividade ao nível do indivíduo e da sua resposta psicológica a mudanças ambientais, implicaria uma perspectiva de mecanismos psicológicos domain-general, ou seja, que tivessem graus de liberdade.

A segunda questão, quanto a mim mais interessante, remete para uma plasticidade não dos mecanismos cerebrais mas da integração destes mecanismos. A aprendizagem, em fase de desenvolvimento, é feita maioritariamente por imitação. Temos portanto a possibilidade de imolar comportamentos de outros indivíduos e integra-los na nossa personalidade (torna-los mais automáticos). Neste sentido em casais homossexuais podemos encontrar uma variedade de tipos de relacionamento que dependerão de uma ‘escolha’ do indivíduo de emular o comportamento de um dos lados da relação ou do outro. Esta emulação pode ser uma estrutura permanente (lésbicas ditas ‘butch’ ou gays com comportamentos femininos) mas pode também ser uma estrutura que se modifique conforme a situação, onde teremos então uma relação baseada em vivências e a adequação a um ou ao outro papel da relação por parte de qualquer um dos membros do casal. Esta adequação será então feita com base em princípios subjectivos e egoístas, e podem ou não ser correspondidos por um comportamento complementar ou não dando origem a conflitos ou, por outro lado, a uma maior capacidade de gestão do relacionamento. Ao separar a reprodução do acto sexual as variações comportamentais serão exponencialmente maiores, tornando difícil a sua confirmação pelo método experimental visto que a quantidade de variáveis a ser manipuladas também aumentam.


3. A 13 de Novembro encontrei esta nota curta no Meia-Hora. Diz: Segundo um estudo, as mulheres curvilíneas não só são mais inteligentes como têm hipóteses de ter filhos mais espertos.

É a notícia que mulheres de todo o Mundo esperavam. Quando se fala de uma anatomia feminina com curvas isso é sinónimo de falar de inteligência. Pelo menos, segundo um estudo publicado pela revista científica Evolution and Human Behaviour que afirma que as mulheres com curvas não só são mais inteligentes, como têm filhos mais espertos do que as outras. A explicação dos investigadores Stephen Gaulin (Universidade de Califórnia) e William Lassek (Universidade de Pittsburgh) é a de que os ácidos graxos ómega 3, que se acumulam nos quadris e coxas, servem de alimento ao cérebro e são essenciais para o desenvolvimento neurológico dos bebés.

Qual a importância deste estudo para o entendimento da evolução das preferências masculinas pelos parceiros femininos a longo-prazo?

A importância deste estudo é óbvia, ao ser confirmado, este estudo fornece uma explicação da razão pela qual os homens preferem um rácio mais baixo na escolha de parceiras a longo prazo. A existência da preferência de um rácio mais baixo já foi, e continua a ser testada, a sua existência não explica, no entanto, a razão pela qual esta preferência existe. Capacidades cognitivas maiores implicam maior fitness da descendência (independentemente do ambiente – desde que não se potenciem a custa de outras?). Faz sentido então que exista um mecanismo psicológico que atribua um maior grau de atractividade a uma parceira que potencie o fitness da descendência ao mesmo tempo que aumente a probabilidade de viabilidade da mesma. Ou seja, embora o intervalo de idades de mulheres que são alvo das preferências masculinas varie em consonância com a idade do homem que esteja a seleccionar, existe uma tendência (provavelmente fruto de probabilidades estatísticas) para seleccionar parceiras mais novas (maior tempo de período fértil que leva a uma maior possibilidade de frequência de reprodução). No entanto, quanto mais nova a parceira menos o seu próprio desenvolvimento se encontra em fases finais. Quanto menor for o WHR maiores as reservas de substâncias que promovem o desenvolvimento neuronal. Por isso, menor também vai ser a competição (intra-uterina) pelos mesmos recursos entre embrião e mãe, estando a mãe também ainda em desenvolvimento, a viabilidade de uma descendência com um fitness maior é assim também aumentada.


[1] Buss, David M 2004: Evolutionary Psychology - The New Sciend of the Mind - 2nd edition, Boston MA Pearson Education 2004, paginas 50ff.

Age and gender differences in mate selection criteria for various involvement levels.

Bram P. Buunk, Pieternel Dijkstra, Detlef Fetchenhauer, and Douglas T. Kenrick.

University of Groningen; and Arizona State University.

O estudo apresentado investiga as preferências na escolha de parceiros de homens e mulheres de várias idades, para níveis diferentes de relacionamento. Os níveis de relacionamento considerado foram os seguintes: Casamento; Relacionamento Sério; Apaixonar-se; Sexo Casual; e Fantasias Sexuais. As idades consideradas foram 20, 30, 40, 50, e 60 anos (+1 ou -1). Era pedido aos participantes uma categorização de um parceiro que se baseasse numa auto-avaliação, i.e., que tivesse como referência a própria pessoa; isto a nível de: Income, Atractividade Física, Auto-confiança, Inteligência, Dominância, e Posição Social. O estudo foi realizado na Holanda.

As teorias de investimento parental e de selecção sexual da psicologia evolutiva fornecem o framework teórico que serviu de base a esta investigação.

Segundo a teoria do investimento parental diferenciado (e.g. Buss, 1998; Symons, 1979; Trivers, 1972) machos e fêmeas usariam critérios diferentes para a selecção de parceiros sexuais devido ao diferente tipo de investimento parental, i.e., os machos, que possuem estratégias indirectas de investimento (recursos, protecção e comida), dariam mais importância a características ligadas à atractividade física (que veiculam um maior potencial reprodutivo); enquanto que as fêmeas, cujo investimento é directo (gestação, que implica recursos corporais do progenitor, cuidados directos durante o período de desenvolvimentos), dariam mais importância a características ligadas à capacidade de aquisição de recursos, estatuto e dominância (Buss, 1989).

A selecção sexual implica, por seu lado, a capacidade de comparação de um sujeito com os outros membros do seu grupo social. Esta característica acaba por estar presente a nível de trocas recíprocas (cooperação), a nível de competição para o investimento parental, bem como, a nível da selecção intrassexual. Por outro lado esta capacidade vai despertar mecanismos de competição social, seja por intimidação ou por atracção. A escolha de uma ou outra destas estratégias pode muito bem prender-se com duas ordens de auto-avaliações comparativas que os indivíduos fazem: a capacidade de reter a atenção social; e a capacidade de adquirir e reter recursos. Os autores Gilbert P., Price J. e Allan S. (1995), apontam a probabilidade de estas poderem ser as bases filogenéticas da auto-estima.

Seria assim de esperar que houvesse, devido à diferença de investimento à partida entre machos e fêmeas, uma tendência para os machos terem um padrão de selecção de parceiro mais baixo, ao passo que, pela mesma razão, as fêmeas devessem apresentar critérios mais exigentes. No entanto, Kenrich et al. (1990) apresentam o modelo de investimento qualificado que baseia-se na premissa de que os homens, por poderem vir a investir muito nos filhos, também pudessem apresentar critérios de selecção semelhante ao das mulheres relativamente a parceiros de longo prazo, ao passo que para parceiros de curto prazo, esses mesmos critérios fossem menos exigentes.

Olhando para os resultados:

Relativamente ao grau / tipo de envolvimento, resultou que quanto mais baixo for este, maior é a importância atribuída à atractividade física, enquanto que, quanto maior for o envolvimento, maior é a importância atribuída, especialmente nos homens, a características como a inteligência e a educação.

Relativamente às diferenças entre sexos, os dados apontam para uma preferência, no que diz respeito aos homens, para um parceiro com uma atractividade física superior à do sujeito. Por outro lado, as mulheres, aparentam ter preferência para a escolha de parceiros que, em comparação com as próprias, aparente maiores níveis de educação, rendimento, auto-confiança, inteligência, posição social e dominância.

Finalmente, em relação à idade, identificou-se uma tendência para estabelecer padrões mais elevados, no que diz respeito à educação, para um potencial parceiro, à medida que aumenta a idade do sujeito.

A relevância do artigo prende-se com a população escolhida para a investigação. A Holanda, sendo um país mais sexualmente liberal e feminista (Buunk, 1983; Buunk e Van Driel, 1989) do que os estados unidos, onde o fenómeno já tinha sido estudado, permitiu testar uma das primeiras premissas da psicologia evolutiva, o facto de estudar mecanismos psicológicos evoluídos e universais. O facto de ser uma cultura cujos valores faziam prever uma inversão nos resultados esperados, e o facto de este não ter sido o caso, fortalece a visão evolutiva dos critérios de selecção de parceiro. O facto de ter sido crida a categoria de fantasias sexuais às quatro categorias que tinham sido propostas por Kenrich et al. (1990), é significativo no que respeita à escolha de parceiros sexuais ‘a curto-prazo’, pois esta categoria permitiu expressar mais fidedignamente a preferência dos sujeitos, porque elimina toda a problemática da retribuição, por parte do parceiro escolhido, da preferência de escolha.

Mas qual, então, perguntam os autores, a razão por uma preferência de parceiros mais atractivos para relacionamentos mais fortuitos? Os autores apresentam uma explicação que tem a ver com os custos de uma manutenção de um relacionamento com um parceiro mais atractivo. Para as mulheres (que se encontram já num relacionamento estável com um ‘providenciador’ / ’investidor’) faria todo o sentido, tendo uma vantagem biológica a reprodução com um parceiro mais atractivo (genes mais ‘fortes’) enquanto beneficia dos recursos (sociais, de status, de income, etc.) do outro parceiro.

Neste sentido existe uma ‘estratégia nuclear de maximização biológica’ que implica que se um individuo puder, a pouco custo, melhorar o património genético da própria descendência, seja este macho ou fêmea, vai existir uma tendência para seguir esse caminho. No caso das mulheres acima descrito, deveria ser possível então conjecturar uma maior capacidade para ‘mentir’ ou para esconder, tanto a altura do mês em que existe mais probabilidade de fecundação, logo de ‘escapadelas’ (ovulação críptica), tanto para dissimular estados emocionais, que são a base da socialização e o nosso ‘medidor’ do que se passa no outro, fulcral para uma estratégia cooperativa, e ainda mais para um parceiro (‘cooperação biológica’). Os homens por seu lado, e usando a mesma estratégia acima descrita, facilmente optarão por parceiras mais jovens e atractivas para ter relacionamentos casuais de modo a maximizar as probabilidades de reprodução, ao mesmo tempo que investirão numa outra parceira, com a qual estabelecerão um contracto, e onde todos os outros factores considerados neste estudo teriam influência. No mesmo sentido (e conforme a ‘gravidade’ percepcionada da escolha de varias estratégias de reprodução) os homens também poderão ser vistos como bons ‘mentirosos’ embora não necessitem tanto, i.e., num contracto entre macho e fêmea onde um entra com investimento e recebe da outra segurança na paternidade e acesso à possibilidade de reprodução, ao tenderem ambos a usarem estratégias mistas, no caso do macho, este, desde que não invista em outra parceira, não estaria a quebrar este contracto e teria menos necessidade em ser ‘bom mentiroso’, a fêmea por seu lado estaria a quebrar o contracto directamente e, ao ser descoberta, poderia causar a quebra do relacionamento.

Relativamente às limitações do estudo, o facto de ter sido feita uma avaliação de características relativas ao self não toma em conta as diferenças de percepção de si próprio de cada uma das pessoas, sendo que esta percepção estará baseada, entre outras coisas, numa percepção, mais uma vez subjectiva, do ‘mercado’ onde os sujeitos estão integrados. Não tendo sido considerados estudos (que imagino que existam) sobre as diferenças de estratégias usadas pelos percentis mais altos vs. os mais baixos, bem como a diferença de percepção de si próprio, mais característica à pertença a um grupo que mais tem probabilidade de se reproduzir em contraste com o seu oposto, pode muito bem haver diferenças de base ao nível tanto da percepção como das estratégias utilizadas para minimizar ‘shortcomings’.

Este estudo vem sustentar o estudo de Kendrick et al. (1990; 1993) onde os homens, mais do que as mulheres, baixam os seu padrões de exigência no que diz respeito à inteligência da parceira, para companheiros de curto prazo. Estes resultados não estariam assim restritos aos EUA apontando para a universalidade da característica em estudo.

Para além disso, as faixas etárias escolhidas permitem extrapolar e confirmar alguns dos resultados para uma população mais adulta, e sustentam as diferenças de género na selecção de parceiros por canais bem diferentes do que os anúncios pessoais dos jornais.