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Monday, March 17, 2008

Cultura e Altruísmo

Começamos este trabalho por abordar o conceito de altruísmo recíproco e a sua influência no facto do ser humano ser gregário. A evolução desta característica tem implicações ao nível cognitivo nomeadamente à exigência da existência de mecanismos de identificação individual e de avaliação de custos e benefícios prestados ao próprio ou à ‘comunidade’. O Altruísmo recíproco que Trivers postulou em 1971 é, de certa forma, inevitável, visto ser uma questão matemática de sobrevivência. Um grupo de indivíduos que tendem a cooperar numa base de altruísmo recíproco, terão maiores probabilidades de proliferar que um mesmo grupo em que os mesmos indivíduos operem enquanto unidades isoladas. A reprodução sexuada dá o mote para a inevitabilidade e a necessidade da existência de outro indivíduo (nem que seja só um) para a reprodução e sobrevivência (dos genes). De dois indivíduos para mais que dois indivíduos, mais uma vez, é uma questão de probabilidade de sucesso na reprodução, sendo que cada sexo vai tentar maximizar as suas possibilidades de se reproduzir aumentando as probabilidades de encontrar um parceiro viável, o que implica a procura do outro sexo. Não é de estranhar portanto que o homem tenha evoluído no sentido de ser, o tão aclamado, ser social.

A evolução, na óptica de Dennett levou ao aparecimento de criaturas que eventualmente entraram no ‘nicho cognitivo’. Sem entrar nos vários tipos de seres cognitivos (popperianos, rogerianos, etc,) que o autor descreve, será suficiente, para o propósito deste trabalho, assumir que o homem enquanto ser cognitivo, possui a capacidade de conceptualizar o mundo (ou os mundos específicos de cada unidade que consegue descrever), bem como conceptualizar acções, conceptualizar-se a si próprio e relacionar estas conceptualizações entre elas através de conectores (como os encontrados nos
mapas conceptuais). Estes conectores são em si ‘objectos’ conceptualizáveis e relacionáveis e a natureza intrincada e recursiva desta capacidade pode na óptica de Hofstadter levar ao aparecimento da consciência. O nicho cognitivo, pela sua natureza e pela relação causal que tem com a consciência, leva-nos ao conceito de informação. Informação, segundo Lloyd, é uma analogia, i.e., é a possibilidade de fazer corresponder um sistema formal a outro sistema formal. Para isso é necessário um aparelho conceptualizador que, por sorte e como outros vertebrados, possuímos. O aparecimento de células nervosas que se organizam sucessivamente em sistemas cada vez mais complexos até ao nosso SNC é visível desde os cnidários. A recente descoberta de neurónios espelho vem possivelmente elucidar como podemos possuir e processar informação para além das nossas próprias experiências, bem como fornecer uma base biológica para a aprendizagem, a linguagem e a empatia. Estas características são patentes na ‘vida social’ bem como é patente a função evolutiva do aparecimento de um tal mecanismo. A vida em grupos fornece vantagens, é certo, mas ao mesmo tempo é fonte de perigos novos, especialmente se não conseguirmos decifrar em tempo real as intenções do outro.

A informação de que falamos aqui de nada serviria se não possuíssemos outra competência cognitiva de base que é a capacidade de armazenar, recuperar e trabalhar a informação. Se não possuíssemos esta capacidade não seria possível sequer conceptualizar seja o que for, não haveria nada para conceptualizar, é ela que possibilita a aprendizagem. A
memória, seja ela um armazém de experiências ou uma alteração específica da forma ‘default’ de processamento de uma dada informação, encontra-se assim em estrita relação com a aprendizagem. A aprendizagem baseia-se portanto na informação que conseguimos ‘retirar’, ‘guardar’ e conceptualizar do mundo que nos rodeia. Este mundo é portanto representado num sistema cognitivo e as suas unidades, tal como os ‘objectos’ do mundo possuem uma relação entre elas. A todo este processamento implícito que é inerente à cognição chamamos transmissão involuntária de informação. Transmissão involuntária, na medida em que falamos de seres animados, a quem imputamos intencionalidade, e que apesar de não terem a ‘intenção’ de transmitir informação, esta (leia-se informação) é inevitável e inerente a qualquer estado, objecto acção ou inacção. Pode-se dizer que é a própria consciência a criar a informação (pode?).

A associação de intencionalidade e informação leva, não surpreendentemente, à intenção de informar, ou de comunicar. Como já vimos, a
comunicação é inevitável visto a informação ser uma propriedade inerente de qualquer objecto no confronto com uma consciência, a comunicação no entanto quando é intencional é considerada linguagem (seja esta verbal, ou não verbal). Baseia-se em símbolos e num sistema de analogias acima referido (um ‘sistema mundo’ corresponde a um sistema de símbolos cognitivos, sendo estes um padrão de activação neuronal específico), a necessidade de feedback da informação implica uma base comum onde mais uma vez, os neurónios espelho aparecem como uma variável importante a considerar. Pinker considera a linguagem uma inevitabilidade e como sendo um instinto (instinto para a linguagem) para o qual temos (nós homens) uma predisposição inata.

Chegamos, temo tardiamente dado o limite de palavras imposto, ao conceito de
cultura. A definição de cultura é elusiva, e para formular um discurso que seja abrangente a animais humanos bem como a animais não humanos, consideraremos cultura de uma forma muito genérica. Para isso chamaremos cultura a um conjunto de comportamentos específicos (que sugiram ou não como solução a problemas específicos) e que tenham uma correspondência em várias gerações. Tal como o conceito de selecção natural, o conceito de cultura não pode existir sem uma forma de transmissão inter-geracional de comportamentos específicos (ou de genes no caso da selecção natural), ou seja uma forma de hereditariedade. Sempre que há mais do que uma forma de atingir o mesmo objectivo, a forma a que um organismo chega é probabilística, i.e., depende da capacidade de conceptualização, processamento e experiências prévias (que obviamente implicam o ambiente em que está integrado). Ao aprender um comportamento específico como solução a um problema, e sendo bem sucedido no objectivo, o organismo vai reforçar esse comportamento que lhe fornece uma capacidade a mais que outro organismo (que vive no mesmo grupo) não possui, rapidamente vão ser favorecidos os indivíduos que aprendam, não só por um processamento eficaz de informação mas por uma capacidade eficaz de seleccionar e imitar outros comportamentos que sejam úteis. Isto é o equivalente ao dizer que aprendemos com as experiências dos outros ou que quantas mais maquinas cognitivas se debruçam sobre um mesmo problema maior vai ser a probabilidade de atingirem uma solução mais rapidamente e de os outros (que não chegaram à solução) aprenderem também. Dadas as condicionantes acima referidas, organismos com capacidades de processamento diferentes em ambientes diferentes tenderão a atingir respostas diferentes para os mesmos problemas. Isto cria nichos de cultura mais ou menos elaboradas e mais ou menos eficazes (obviamente depende também da natureza do problema envolvido).

Dawkins propôs o nome de ‘
meme’ à unidade teórica (correspondente ao gene) de transmissão de cultura / ideias, este conceito foi explorado mais a fundo por Dennett e deu origem à memética que, como o nome indica é o estudo das unidades replicadoras de cultura. A capacidade que resulta da combinação da consciência, memória, linguagem e a possibilidade de contrariarmos a nossa ‘programação’ biológica aliada à hereditariedade das praxis particulares levam ao nascimento de uma dinâmica que apesar de derivar dos organismos aparenta ser autónoma. Neste sentido a teoria da co-evolução gene cultura que consiste em considerar ambos os sistemas como autónomos e mutuamente influenciáveis coloca o enfoque nesta interacção entre genes e cultura ao mesmo tempo que fornece novos modelos e paradigmas experimentais que permitem compreender melhor tanto a cultura como os genes.

Referências

- BYRNE, R. W., BARNARD, P. J., DAVIDSON, Iain, JANIK, V. M., McGREW, W. C., MIKLO, A. e WIESSNER, P. (2004), Understanding Culture Across Species. TRENDS in Cognitive Sciences Vol.8 No.8 August 2004
- DAWKINS, R. (1976), The Selfish Gene. Oxford University Press, reimpresso em 1989.
- DENNETT, D. C. (1991), Consciousness Explained. The Penguin Press.
- DENNETT, D. C. (1996), Tipos de Mentes. Rocco Temas e Debates – Actividades Editoriais Lda. Lisboa.
- HOFSTADTER, D. R. (1987), Gödel, Escher, Bach. An Eternal Golden Baird.
- LLOYD, S. (2006),
Programming the Universe: A Quantum Computer Scientist Takes On the Cosmos. ED.
- MESOUDI, A., WHITEN, A., LALAND, K. N., (2006), Towards a Unified Science of Cultural Evolution. EUA, Behavioral and Brain Sciences 29, 329–383.
- PENROSE, R. (1989), The Emperor's New Mind: Concerning Computers, Minds, and the Laws of Physics. Oxford Univ. Press.
- PINKER, S. (1994), The Language Instinct. Penguin, London.
- PINKER, S. (1997). How the Mind Works. Norton, Ed. USA.
- PURVES, W.K., ORIANS, G.H. & HELLER, H.C. (1998), “Life: the science of biology”. Sinauer Associates. 5th Edition. Massachussetts. U.S.A. 1234pp.
- TOMASELLO, M. (1999), The Human Adaptation for Culture. Annu. Rev. Anthropol. 28:509–529.
- WIKIPEDIA,
http://en.wikipedia.org/ (para definições de conceitos).

"The significance of language for the evolution of culture lies in this, that mankind set up in language a separate world beside the other world, a place it took to be so firmly set that, standing upon it, it could lift the rest of the world off its hinges and make itself master of it. To the extent that man has for long ages believed in the concepts and names of things as in aeternae veritates he has appropriated to himself that pride by which he raised himself above the animal: he really thought that in language he possessed knowledge of the world.”
Friedrich Nietzsche, Human, All Too Human

1 comment:

a said...

O teu curso é giro!

Mas sabes que no outro dia numa discussão informal (daquelas às 4 da manhã em que toda a gente berra e ninguém se entende), deparei-me com um problema grave do ser humano. A nossa cultura evoluiu pouco. Existimos há muitos anos e continuamos a agir da mesma maneira, evoluimos imenso tecnologicamente, mas socialmente e a comportamentalmente (n soa bem esta palavra assim...) não.

Quando alguém comete um crime, perseguimo-lo e prendemo-lo. Há milhões de anos!