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Sunday, December 30, 2007

O problema mente/cérebro

O problema mente/cérebro ou dualismo mente/cérebro surge com René Descartes (1596-1650). Mais do que um problema sobre a existência ou não da ‘alma’ ou de outra qualquer propriedade incorpórea que nos torna, enquanto espécie, ‘especiais’, o problema mente/cérebro diz respeito à conceptualização de matéria e não matéria, do físico e do metafísico (ou não-físico), do objecto e do sujeito.

“Even so, it is in the writings of Descartes that we find the full-blown paradox of the mind-body dichotomy. His method of radical doubt led to a single certainty: 'I think, therefore I am' — a theory of knowledge based on subjectivity linked to a theory of ultimate reality based on 'thinking substances' as one class of existence. Mind was being put forward as a self-contained sphere of enquiry.” (Robert M. Young, 1990)

É realmente a partir de Descartes que realmente se diferenciam as várias escolas do pensamento sobre esta problemática que levam, inevitavelmente, a questões de ordem maior e que ainda hoje em dia são as bases da ciência e do pensamento moderno.

Pode-se pensar neste problema de dois grandes pontos de vista ou correntes, uma ontológica, em que a problemática se centra na dicotomia mente-cérebro, e outra epistemológica, onde o dualismo é o sujeito vs. o objecto.

Por um lado, o cérebro, enquanto órgão, enquanto objecto observável, faz parte do mundo físico, está localizado num sítio específico (o crânio), é responsável pelo comportamento, é o ‘centro de controle’ do SNC e possui uma miríade de outras propriedades e características que remetem para ‘coisas’ observáveis. Por outro lado temos a mente. A mente não é uma ‘coisa’ ou um objecto observável. Ela é um objecto deduzível, faz portanto parte de uma não-matéria do não-físico ou metafísico. Nas suas definições, começam a aparecer uma infinidade de conceitos de ‘coisas’ que não podem ser observadas directamente, ‘coisas’ como a informação, o significado, a cognição, a percepção, a memória, a atenção, a intencionalidade, a consciência, a imaginação, os sentimentos, as emoções, a alma, etc..

O grande problema dos postulados dualistas é a falta de uma explicação de como um não-objecto pode interagir com um objecto.

Uma afirmação, na sua maioria consensual, é o facto de termos um órgão chamado cérebro (que tem varias funções), estando a mente intrinsecamente ligada a este (visto que sem cérebro não somos capazes de identificar ‘mente’). Sem querer entrar numa discussão ontológico-linguística sobre o significado de cérebro ou a semântica das palavras, uma coisa que acho importante sublinhar, são as implicações desta primeira afirmação. Ao falarmos, identificarmos ou nomearmos um objecto estamos a assumir uma perspectiva materialista. Estamos a dizer o que uma coisa é. Todos os constructos idealistas partem da negação do ser, da negação da matéria e da negação do que é quantificável e observável. Neste sentido, a discussão da existência da matéria não é realmente uma discussão.

Esta perspectiva tem duas implicações, a primeira é a impossibilidade de um ‘objecto’ ser e não ser ao mesmo tempo segundo o princípio do terceiro excluído (tertium non datur). A segunda é que os ‘objectos’ metafísicos (ideias), que segundo as perspectivas dualistas são de outra ordem (substancias imateriais), e segundo o idealismo chegariam a ser a realidade em si (nós incluídos), teriam assim, também eles, propriedades físicas.

Mas aqui já estarei a assumir posições, voltando atrás: como pode uma ‘não-coisa’ interagir com uma ‘coisa’?

As estratégias para resolver este dualismo assumem fundamentalmente três dimensões: dualismo, materialismo ou fisicalismo, e Idealismo ou Mentalismo.

O dualismo clássico, resolve o problema da comunicação entre matéria e não-matéria, fazendo aparecer Deus neste ponto. O próprio Descartes falava das propriedades ‘mágicas’ da glândula pineal, sem nunca, no entanto, explicar como esta passagem realmente funcionaria. Os Interaccionistas modernos (dualistas por definição) partem do pressuposto que os dois mundos (físico e mental) interagem mas não conseguem explicar este fenómeno em termos causais.

O paralelismo psicofísico, ou concomitância, tenta resolver o problema postulando que os processos, físicos e mentais acontecem em paralelo não havendo necessidade de interacção entre os dois.

Em oposição às doutrinas dualistas surgem as monistas das quais o materialismo faz parte, segundo as materialistas, o mental não tem autonomia ou eficácia causal, é apenas um efeito ou um epifenómeno dos processos físicos e fisiológicos. A maior crítica a esta perspectiva é a de que o conceito de matéria é demasiado reduzido para conseguir explicar o aparecimento da vida e da mente, por isso é também chamada, às vezes, reducionismo.

Existem algumas variantes do monismo materialista, uma delas é a Identity Theory segundo a qual os dois estados (mente e cérebro) estariam baseados numa Identidade empírica, os estados cerebrais. Outra abordagem que visa superar as dificuldades de perspectivas monistas e dualistas, mas que no entanto pode ser considerada uma perspectiva monista também, é o monismo neutro que considera mente e cérebro como dois aspectos ou atributos de uma realidade subjacente única que seria uma ‘substância’ nem mental nem física.

Por ultimo, uma abordagem que só considere o mundo mental ou das ideias também é conceptualizável, chama-se Idealismo ou Mentalismo. Não se encontram muitas teorias monistas mentalistas que não divaguem e se percam pelos meandros das relações causais de um mundo inobservável directamente. A teoria advoga que as ideias, ou o pensamento são, se não a totalidade da existência uma grande parte dela, a matéria à qual os materialistas chamam física (que é cada vez menos massa e cada vez mais ‘energia’ – existe aqui alguma desapropriação das novas teorias da mecânica quântica e da teoria das supercordas da física), não seria mais do que aglomerados de sensações. (Bundle Theory).

Como então podemos reconciliar o que nos parece instintivamente certo, i.e., que a matéria existe?

Uma teoria deriva das teorias de sistemas, e que deu origem à área de investigação em sistemas complexos, a emergência. Este postulado estuda as propriedades ‘emergentes das combinações de ‘objectos’, são propriedades que não pertencendo a nenhum dos componentes de um sistema, pertencem ao sistema como um todo.

Outra teoria que parece ter superado este problema é a Evolução. A característica que lhe permite superar a dicotomia mente/cérebro pode bem ser o Gradualismo, ao mesmo tempo que a procura da explicação do aparecimento de caracteres na filogenia de uma espécie (com os seus paralelos ontogenéticos ou não), desvia o foco da atenção sobre o funcionamento e a evolução de, seja a física como a metafísica ou ainda uma terceira, e ainda não conceptualizada, hipótese.

Neste sentido, as abordagens empíricas (fenomenológicas ou heterofenomenológicas? – Conciousness Explained, Dennett, D. 1991) ‘emergentes’ à problemática mente/cérebro que são na sua base epistemológicas, levam-nos a uma perspectiva ontológica (no seu sentido etimológico) do ser humano enquanto ‘ser’ (e objecto da) ‘ciência’, quando centradas na consciência. As questões da área da Inteligência Artificial e da Teoria da Computação, aliadas à teoria de sistemas complexos fornece-nos outras perguntas de base como por exemplo: Será possível que um sistema complexo (como o homem) seja capaz de estudar o homem? Pode o cérebro estudar o cérebro sem sair de si? E se sim como?

Referências
DENNETT, D. C. (1991) Consciousness Explained. The Penguin Press.
DENNETT, D. C. (1996) Tipos de Mentes. Rocco Temas e Debates – Actividades Editoriais Lda. Lisboa.
HOFSTADTER, D. R. (1987). Gödel, Escher, Bach. Na Eternal Golden Baird.
http://en.wikipedia.org/ (para definições de conceitos)
LLOYD, S. (2006?) Programming the Universe: A Quantum Computer Scientist Takes On the Cosmos. ED.
PENROSE, R. (1989) The Emperor's New Mind: Concerning Computers, Minds, and
the Laws of Physics, Oxford Univ. Press.
PINKER, S. (1997). How the Mind Works. Norton, Ed. USA.
SEARLE, J. (1981) Mind Design – Philosophy, psychology, artificial Intelligence. John Haugeland, Editor. MIT Press. Cambridge Massachussetts. London, England (pp.282-306)
TOOBY, J. and COSMIDES, L. (1996). The Cognitive Neuroscience. MIT Press.
Cambridge, Massachussetts. London, England (pp. 1185-1197)
VANDERWOLL, C. H. (2003) An odyssey through the brain, behaviour and the mind. Kluwer Academic Publishers. University of Western Ontario, London, Ontario,
Canada. (pp. 153-170)
YOUNG, R. M. (1990) The mind-brain problem.

http://human-nature.com/rmyoung/papers/pap102h.html

2 comments:

Alice atrás do Espelho said...

Ola,voltamos ao velho problema? O do o princípio do terceiro excluído? Lolol bem na realidade o "tempo" nao existe... =P Desta vez podemos ir para casa mais cedo...estou a ver!
Bjs doces para ti

clod said...

Se perguntar a mim mesmo qual seja a parte mais inteligente do meu corpo penso logo -"o cerebro!"-

Logo a seguir penso que o responsavel desta ideia é o meu cerebro.

Da o momento deste loop mental não confio em nada.....:-)

Peço desculpa pelo portoguese fraquinho, mais é conhecida la pouca aptidão dos italianos pelas linguas, eheheh..